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CRIAÇÃO JUDICIAL DO DIREITO, JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JURÍDICO



Eleandra C. Domingos


RESUMO: O presente artigo abordará o tema da Criação Judicial do Direito a luz dos fenômenos da Judicialização e do Ativismo Judicial, atualmente são conceitos largamente debatidos no âmbito do Direito e fundamentais para a legitimação das praticas judiciais. Ocorre que, o Judiciário tem vivido um momento de ascensão após a promulgação da Carta Magna de 1988, já que a Constituição em vigor é bastante abrangente e constitucionalizou muitas matérias, tais como meio ambiente, saúde e previdência, que, em outros países seriam da responsabilidade da legislação ordinária. Esta constitucionalização significa dizer que foram retiradas matérias da política e transferiram-nas para o Judiciário. Portanto, a Judicialização, assim como o Ativismo Judicial são, antes de tudo, fruto do atual Poder Constituinte.


PALAVRAS-CHAVE: JUDICIALIZAÇÃO. ATIVISMO JUDICIAL. JUDICIÁRIO. CONSTITUIÇÃO.


1. INTRODUÇÃO: O artigo em questão se desenvolveu com o escopo de analisar e apresentar as principais características desta atual Criação Judicial do Direito no cenário jurídico brasileiro, que se fundamenta nos fenômenos da Judicialização de do Ativismo Judicial. O primeiro marco que explica o surgimento de tais institutos em território pátrio se concentra no atual Poder Constituinte, já que a Constituição de 1988 ampliou em larga escala o acesso ao poder judiciário, fato este que decorre de sua origem eminentemente democrática. Outras questões a serem levadas em conta estão positivadas nos fenômenos sociais, como o êxodo rural, a visibilidade do judiciário, entre outros. Em verdade, atualmente o Judiciário tem um papel mais ativo em sociedade, o que não significa dizer que se extraem somente benefícios deste cenário. Assim, no contexto apresentado, se desenvolverá o presente artigo.


2. METODOLOGIA: O estudo do tema baseou-se em material bibliográfico e doutrinário, bem como no acervo encontrado na mídia eletrônica. Foram utilizados métodos lógicos e dedutivos, onde o desfecho pôde ser alcançado por meio da pesquisa.



3. DESENVOLVIMENTO


3.1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA JUDICIALIZAÇÃO E DO ATIVISMO JUDICIAL


Nas palavras de Luíz Roberto Barroso, podemos inferir que judicialização significa que matérias de repercussão importante foram retiradas das instâncias políticas tradicionais e foram entregues para serem decididas pelo Judiciário, conforme segue:


“Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade” (BARROSO, pg. 3).”


Para iniciar o desdobramento do tema, é preciso deixar claro que a judicialização é, antes de tudo, fruto da Constituição de 1988, que tem origem eminentemente democrática, sendo conhecida, inclusive, como “Constituição Cidadã”, devido à ampla proteção aos direitos fundamentais, individuais, sociais, econômicos e políticos que oferece. Assim, desde 1988 o acesso à justiça tem sido bastante ampliado.


Neste sentido, novamente o preciso ensinamento de Barroso:


“A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com outros poderes.” (BARROSO, pg. 3)


Um marco mais atual e igualmente importante a ser levado em conta no fenômeno da judicialização é o surgimento dos juizados especiais - Lei 9099/95, que permitem originar lides a partir de pequenos conflitos, simples problemas do cotidiano, como por exemplo, desentendimentos entre vizinhos. Neste contexto verificamos a Judicialização das relações sociais.


Ademais, fatores como a universalização do acesso a justiça, questões políticas, mudanças sociais e econômicas que ocorreram nas últimas décadas contribuíram para a judicialização, já que é notável que a demanda pelo Poder Judiciário tem aumentado consideravelmente nos últimos anos.


No âmbito da judicialização da saúde, podemos mencionar o fato da demanda pelo recebimento de remédios e tratamentos que não cabem no orçamento do cidadão.


A partir de tais ponderações, podemos inferir que o fenômeno da judicialização, nasce da conscientização do cidadão de seu exercício de cidadania. São os direitos e facilidades que permitem o ingresso cada vez maior de casos aparentemente simples, na justiça. Desde que o Brasil se redemocratizou, os cidadãos tem tido cada vez mais consciência de seus direitos.

Ronald Dworkin, em sua obra “Uma Questão de Princípios”, confirma tais posicionamentos, elucidando que:

“[...] Se os tribunais tomam a proteção de direitos individuais como sua responsabilidade especial, então as minorias ganharão em poder político, na medida em que o acesso aos tribunais é efetivamente possível e na medida em que as decisões dos tribunais sobre seus direitos são efetivamente fundamentadas. [...]” (DWORKIN, p.32).

O fator preponderante na judicialização tem sido a visibilidade pública, caracterizada no fácil acesso que a população tem para acompanhar o judiciário. Tal visibilidade resultou em transparência e forneceu a população uma forma de controle social e isso representa na realidade a própria democracia.


Citadino, assevera que a judicialização é um meio de se consolidar a Constituição, pois representa um “alargamento do seu círculo de intérpretes, especialmente em face do conteúdo universalista dos princípios do Estado Democrático de Direito” (CITADINO, pg. 106-109). Assim, é perceptível que o objetivo do instituto é o bem estar social, garantir aos cidadãos, mesmo diante da falta de regulamentação ou de omissão, o exercício de seus direitos.


A judicialização ocorre quando as pessoas tomam consciência de seus direitos e os reivindicam perante o Poder Judiciário. Já o ativismo judicial decorre de uma nova compreensão do sistema Jurídico e da Constituição.


Antigamente se acreditava que o direito se resumia a regras, assim a função do Juiz era aplicar a regra ao caso concreto, porém, hoje se não houver regulamentação na lei o Judiciário irá suprir isso. Percebe-se o Judiciário mais ativo, principalmente no que se refere aos direitos sociais, intervindo principalmente na questão de políticas publicas, políticas de saúde, educacional, previdência, entre outras do mesmo âmbito.


A constitucionalização do Direito e a judicialização tem como efeito o ativismo judicial, que se caracteriza na atitude, na pró-atividade que os Juízes tem de interpretar a Constituição, expandindo seu alcance.


Mais uma vez utiliza-se a lição do professor Luis Roberto Barroso quando se refere à judicialização e ao ativismo judicial:

“A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais”(BARROSO, pg. 6)

A atitude proativa do Poder Judiciário,segundo Gisele Cittadino, pode ser atribuída a vários fatores:

“Esse processo de ampliação da ação judicial pode ser analisado à luz das mais diversas perspectivas: o fenômeno da normatização de direitos, especialmente em face de sua natureza coletiva e difusa; as transições pós-autoritárias e a edição de constituições democráticas – seja em países europeus ou latino-americanos – e a conseqüente preocupação com o reforço das instituições de garantia do estado de direito, dentre elas a magistratura e o Ministério Público; as diversas investigações voltadas para a elucidação dos casos de corrupção a envolver a classe política, fenômeno já descrito como "criminalização da responsabilidade política"; as discussões sobre a instituição de algum tipo de poder judicial internacional ou transnacional, a exemplo do tribunal penal internacional; e, finalmente, a emergência de discursos acadêmicos e doutrinários, vinculados à cultura jurídica, que defendem uma relação de compromisso entre Poder Judiciário e soberania popular”.(CITTADINO, p.106)

No final do século XX, em meio a aplicação do texto constitucional de 1988, o Supremo Tribunal Federal tem atuado a partir de certo ativismo jurisdicional predominantemente formal. Podemos citar um exemplo mais atual, onde o STF, em março de 2009, decidiu pela demarcação continua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, sendo que além de dar ganho de causa aos índios, o Supremo ainda impôs 19 condições para demarcação da reserva.


Ao que se percebe, não há maiores problemas em reconhecer no Supremo Tribunal Federal uma legitimidade democrática para lidar com questões envolvendo princípios e direitos fundamentais, questões estas que vão além do Direito, passando pela Política e adentrando a Moral. Tal conduta é consequência da judicialização da política, ou seja, apresenta-se como uma exigência do próprio modelo democrático.


O ativismo judicial traduz a indispensável participação dos juízes e tribunais na tarefa de construir o direito em conjunto com o legislador. Isto pode se dizer, é uma exigência do mundo contemporâneo, em vista de suam complexidade , que dificulta a regência de políticas ultrapassadas.

A criação judicial do direito seria o exercício regular do poder-dever, que compete aos juízes, de converter o direito legislado em direito interpretado e aplicado, transformando o abstrato da lei ao singular e palpável da prestação jurisdicional, a fim de realizar a justiça em sentido material, que é dar a cada um o que é seu.

O que percebe-se do conteúdo exposto, é que através da pró-atividade jurisdicional, ligada diretamente à judicialização é possível a concretização de direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988, o que consigna a necessidade do Poder Judiciário para fazer valer o Estado Democrático de Direito.

3.2. PRINCIPAIS CRÍTICAS À JUDICIALIZAÇÃO E AO ATIVISMO JUDICIAL

Inicialmente, cumpre ressaltar que existem há no meio doutrinário críticas aos institutos em estudo. A primeira, voltada ao ativismo judicial, se fundamenta na alegação de que o Poder Judiciário não possui legitimidade democrática para, em suas decisões, insurgir-se contra os atos instituídos pelos representantes escolhidos pela vontade do povo, haja vista que os membros do Judiciários não são eleitos.

Os críticos desta atuação proativa do Poder Judiciário, também se pautam no argumento de que estes institutos violariam a separação de poderes, o que seria prejudicial ao estado democrático de direito, que impõe uma limitação de poderes. Leva-se em conta que o Poder Judiciário estaria interferindo na função legislativa quando apresenta inovações nas “lacunas” da lei.

Existe ainda, uma insurgência no que tange ao fato de que o Poder Judiciários utiliza-se de princípios para interpretar a constituição, o que segundo os contrários ao tema, traria um caráter subjetivo, que permitiria interpretações diferentes, sendo que se levaria em conta a vontade de quem os interpreta.

Neste sentido, se posiciona, Daniel Sarmento argumenta:

“E a outra face da moeda é o lado E a outra face da moeda é o lado do decisionismo e do "oba-oba". Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem a justiça – ou que entendem por justiça -, passaram a negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta "euforia" com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser.Esta prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não eleitos imponham a suas preferências e valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações do legislador. Ela compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica, porque torna o direito muito menos previsível, fazendo-o dependente das idiossincrasias do juiz de plantão, e prejudicando com isso a capacidade do cidadão de planejar a própria vida com antecedência, de acordo com o conhecimento prévio do ordenamento jurídico”. (SARMENTO, pg. 144)

Inobstante, também se afirma que o Poder Judiciário estaria realizando uma micro justiça em prejuízo da macro justiça desejada por todos. Um caso que ilustra o posicionamento é a concessão de tratamentos e medicamento de alto custo em favor de uma única pessoa, o que poderia acarretar em prejuízo à coletividade.

Do exposto, conclui-se que para os críticos desta atuação, o ativismo judicial geraria o enfraquecimento das demais esferas dos poderes, daqueles eleitos para legislar, bem como estaria dando azo a uma situação celetista e ofertando ao Judiciário uma exclusividade que não seria razoável.

4. RESULTADOS: Tendo por base os ensinamentos dos doutrinadores em destaque, chegou-se a possíveis resultados: 1) Os fenômenos da Judicialização e do Ativismo Judicial decorrem puramente da Constituição, e não da conduta dos Juízes e Tribunais; 2) O ativismo não pode asfixiar a dimensão da vida pública, mas o judiciário pode dar uma contribuição importante em certos aspectos da vida social em que o processo político majoritário não funciona bem, como a proteção das minorias; 3) É preciso que se mantenha um equilíbrio entre a atuação do Poder Judiciário e o Estado Democrático de Direito, visto que um ativismo excessivo não faria bem a vida pública.


5. CONSIDERAÇOES FINAIS:

Em primeiro lugar, destaca-se que o protagonismo do pode judiciário frente à matérias políticas, que originariamente não seriam de sua competência, decorreu da própria Constituição. Neste contexto, o Ativismo judicial é bem vindo quando se trata da proteção de direitos fundamentais de minorias, bem como nas correções de algumas disfunções do processo político. Por outro lado, o ativismo judicial não pode ameaçar o espaço legítimo da política majoritária. É importante que o poder judiciário assuma uma defesa dos direitos da sociedade brasileira, ao passo em que se faz necessário que se reconheça um papel central da vida institucional da política parlamentar. Um ativismo excessivo seria ruim para a democracia, pois é importante que haja um espaço relevante para deliberação democrática em fóruns como o parlamento. Assim, o ativismo judicial, que está atrelado a Judicialização e a Criação Judicial do Direito não é a solução para todos os problemas brasileiros, mas é importante para a concretização dos valores da constituição.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo e Legitimidade Democrática. Consultor Jurídico, Artigo Publicado Em 22/12/2008.

DWORKIN, Ronald. M. Uma Questão de Princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo, Martins Fontes. 2000.

CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia. Revista Alceu, vol.05- n.9 - pag. 105 a 113 - jul./dez. 2004.

SARMENTO, Daniel l. A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores. Rio de Janeiro. Lúmen Júris. 2007.

http://www.abdconst.com.br/anais2/JurisdicaoRafael.pdfacessado em: 07/05/2014 às 23h10min

 
 
 

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